quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A pior transformação de todos os tempos

Mas uma das melhores cenas de novela. Com olhos felinos felizes e tal.





0:14 - Pode encostar naquela duna ali à direita.


0:35 - Cheguei no agreste de motorista.


0:50 - O início da subida.


0:55 - Cenas do passado em transparência.


1:00 - Sofri demais.


1:13 - Consolei a Tássia Camargo.


1:19 - Apanhei do Zé Esteves.


1:24 - Mas agora tudo é passado...


1:32 - Já até dei na cara de Perpétua.


1:50 - Continuo subindo...


2:05 - O ápice. Preparem-se para a revelação de uma nova mulher...


2:17 - ... uma mulher renovada...


2:19 - ... com toda a malícia e segredos. Preparados?


2:41 - UMA NOVA MULHER!


2:54 - Com um corte em camadas e uma permanente.


2:55 - E só.


3:11 - E à milanesa.


3:33 - Chega, Simone, já deu. Corta.



(Em um oferecimento do Vlad.)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Heart of glass

Se um dia eu for sequelada, quer dizer, sequestrada, quando o sequestrador quiser cortar a minha orelha ou talvez a ponta do dedinho do meu pé para ser enviado à minha família como prova de vida, eu vou logo me opor e dizer que não há necessidade.

Porque eu tenho uma série de palavras-piadas-internas capazes de provar para pessoas específicas que eu estou bem viva, se provar que estou bem viva fosse preciso.

Com o Vlad, por exemplo: "obsessão?".

E com Ric, "dupla negação?".

Tá, agora eu queimei estas duas. Mas tem uma porção de outras.

Se o sequestrador tiver paciência, na hora posso me lembrar de todas elas.

* * *

Cada nova árvore de Natal na cidade aquece e destroça meu coração.

* * *

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Long time no see

Depois de seis meses, consertei meu laptop.

Só para chegar em casa, abri-lo e... descobrir que eu não tenho nada para fazer com um computador em casa.

* * *

Mas é claro que vou inventar alguma coisa para fazer, né. Por exemplo, ...

...

...

Ah, daqui a pouco vem.

* * *

Interlúdio: hoje de manhã, fui tirar dinheiro no caixa eletrônico do mercadãozinho.

(O mercadãozinho é uma loja de uma grande rede, pretensamente disfarçada de um mercadinho de bairro. Só que ruim).

O caixa é bem ao lado dos congeladores, então fiquei ali me admirando com a capacidade humana de empacotar coisas horrorosas e anunciá-las como "refeições".

Pulei o olhar dos hambúrgueres (prontos) congelados para a geladeira de sorvetes. E lá estava ele, me encarando implacável. Meu sabor nêmesis, passas ao rum.

Long time no see.

* * *

Passas ao rum é o tipo de sabor que, quando criança, parece mais misterioso do que o funcionamento de um salão de beleza ou do trabalho do seu pai.

Primeiro, porque é um troço que só existe enquanto sabor. Bolacha sabor morango, por exemplo, dá para entender. Eu já vi um morango. Chiclete sabor hortelã, ok. Existe hortelã. Até salgadinho sabor pizza é compreensível.

Mas alguém já viu uma "passas ao rum"?

Segundo porque, quando você é pequeno, é incapaz de entender que insondáveis motivos levariam um sujeito a escolher um sabor baseado em pinga e um troço suspeito, aparentemente meio estragado, que nem de longe lembra uma fruta (embora sua mãe jure para você que aquilo um dia foi uma uva).

Especialmente quando existe a concorrência do tutti frutti ou qualquer outro sabor cor de rosa.

* * *

Eu ainda não entendo o sabor passas ao rum. Acho que deu para notar.

* * *
Pronto. Bem-vindo de volta, laptop.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Que ano é hoje?

Quinzena de shows em São Paulo teve Aerosmith, Pearl Jam, Faith No More, Alice in Chains e Stone Temple Pilots.

Pensei, "de volta aos 90". Daqui a pouco alguém me aparece com uma pasta de dentes Crest em embalagem pump e um chicletinho Wrigley's, trazidos por um tio de Miami.

Os próximos dias terão New Order e Duran Duran.

Pensei, "de volta aos 80", a década que nunca termina.

Aí a polícia desocupa a reitoria da USP e ouço um sem-número de "tem que descer a borracha nesses estudantes" ou similares, vindos de todos os lados.

1964?

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Uma mulher melhor

"She practices her speech as he opens the door"
-- Pearl Jam, Better Man

Outro dia vi uma foto no Facebook (onde mais o passado bate à sua porta antes de ser chamado?) e, naquela única imagem, tinha umas 5 ou 6 paixões da adolescência. Não peguei nenhuma, claro.

Minto. Peguei uma, sim, a mais duradoura.

Mas guardo bilhetes e provas materiais só de outra, reminiscências de quando você tem 13 anos, é jovem e tola e acha que tem uma verve literária nos seus bilhetes de escola.

(Com 17, você acha que jovem e tola era a menina de 13, embora fosse incapaz de ver quantas vezes o amor estava ali, sorrindo e acenando na porta ao lado).

I just couldn't find a better man.

Hoje os amores estão casados, são pais ou professores assistentes em universidades nórdicas. E eu acho que jovem e tola *mesmo* é sempre a gente mesma, ontem.

Hoje eu já sou velha e mais feliz.

* * *

As pessoas que cultuam a juventude nunca estiveram em uma seleção de estagiários, as mãozinhas delas tremendo enquanto seguram os papéis onde fizeram uma colagem para representar quem elas são (!).

Imagina o James Dean numa dinâmica de estágio, fazendo uma colagem para representar quem ele é.

Pronto, acabou culto à juventude.



terça-feira, 11 de outubro de 2011

Barato bom é do Erasmo

Ontem apareceu uma barata em casa, andando como se estivesse meio bêbada sobre o tapete branco.

Ela tinha uns 20 centímetros de envergadura. Trinta com as asas abertas.

Eu sou uma mulher de poucos princípios. Um deles é jamais estar na extremidade de um objeto em cuja outra extremidade se encontre uma barata.

Por isso eu não encosto em nada que encoste em uma barata. Eu não mato baratas com vassouras, chinelos ou qualquer outro artefato. Só com inseticida em spray.

Que eu não sabia se tinha em casa, já que nunca tinha aparecido uma barata neste apartamento.

Ela tentou entrar no guarda-roupa do Ricardo. Eu empurrei as portas, suando frio. Pingando, corri até a outra ponta da casa. Acendi a luz do banheirinho, subi no vaso, olhei atrás dos produtos de limpeza, veja não, vanish não, sapólio não, RAID PRETO sim! Ufa.

Corri tudo de volta, cozinha, corredor, sala, hall, será que a barata ainda está lá?, ela pode estar em qualquer lugar, debaixo do tapete, no meio dos lençóis, na gaveta do criado-mudo, roendo os meus diários, que horror, comendo tudo que está escrito, quarto, a barata ainda está lá.

Toma, descarreguei o inseticida.

Agora havia um cadáver de 40 centímetros sobre o tapete branco. Que bom. E mesmo que a barata se desmaterializasse, estava impossível ficar no quarto naquele momento. Muito raid preto.

Então arrastei o tapete para fora do quarto, deixei um bilhetinho para a Lu, fui assistir a "12 Homens e uma Sentença" e só dormi à uma da manhã.

E toda vez que passava pelo corredor, com aquele corpo de meio metro por entre o tapete, lembrava da música do Erasmo:

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Beauty with brains

A dermatologista pegou uma folha de papel sulfite e começou a rabiscar.

"Você pode fazer um preenchimento. Tem também o peeling. E a limpeza de pele, seria bom fazer já..."

A lista seguiu com a indicação de cinco produtos diferentes para o rosto, todos manipulados e com uma rotina de uso tão complicada que levei uma semana para aprender.

Ela estendeu a folha e, ao lado de cada procedimento, os valores iam de 140 a 900 (!) mangos.

Agradeci e disse que ia pensar.

Comprei os produtos e aprendi a usá-los. Pensei em marcar uma limpeza de pele, mas ainda não apareceu tempo.

Peeling e preenchimento, descartei. Se eu fizer tudo isso agora, com 33 anos, aos 50 vou ter que fazer o quê? Arrancar minha cabeça fora e colocar outra?

* * *

Aí outro dia, faz um tempo já, no meio de uma festa no falecido e glorioso bar do Jones, minha atenção foi capturada pelo telão ao fundo da pista. Ele passava cenas do falecido e glorioso programa "Cocktail", do SBT, apresentado pelo falecido e glorioso Miele.

A música silenciou, as pessoas desapareceram, a pista se abriu e de repente só existíamos eu e aquela tela, onde mulheres desfilavam em trajes sumários, agindo de modo estranho e se deslocando por um cenário cafona.

Além disso tudo, e do charme hipnótico do Miele, havia algo mais. Algo que estava prendendo minha atenção desse jeito. Algo que estava aliviando meus olhos. Meu Deus, seria a barba do Miele? Os maiôs com lantejoulas? O display de fruta bizarramente posicionado nas costas delas?

Não, não era nada disso. Depois de oito minutos de um desfile ininterrupto de peitos, notei o que capturara meu olhar: ninguém tinha silicone. E era lindo e muito aliviante ver aquela profusão de formatos, tamanhos e contornos de peitos naturais. Veja você mesmo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

As coisas da Lu

A Lu é tão gozada.

Ela me deixa um bilhete assim:

"COMPRAR

removedor da tampa rosa
sabão em pó
detergente
água sanitária"

Eu suponho que removedor da tampa rosa seja vanish.

Será que ela está usando como removedor de manchas nas roupas ou apenas como removedor mesmo?

* * *

Ela enfileira sobre o gaveteiro todos os remédios e cremes que eu largo no criado mudo. Um exatamente atrás do outro, mais ou menos por ordem de tamanho. Fica assim: um colírio, um vidrinho de passiflora, o creme antiolheiras, o spray de própolis, o rinossoro, o hidratante para mãos, o hidratante do rosto, o hidratante do corpo.

Por alguma razão que me é absolutamente misteriosa, a caixinha de música que eu ganhei da mulher do meu sogro (e que toca o tema de Cabaret) lidera a estranha parada dos itens de cabeceira.

The weird parade

* * *

Eu tenho um bonequinho de pano naquele estilo toy-art-ugly-doll que mora em cima do microondas.

Ele fica ali porque um dia já foi um chaveiro, presente do Guss. E o lugar das chaves, lá em casa, é em cima do microondas, então ali ele pode continuar a desempenhar, de certa forma, sua função original.

Como toda figura toy-arte-ugly-doll, ele tem uma cabeça maior que o corpinho, um formato meio estranho e olhos costurados de botão. E a Lu, invariavelmente, vira ele de ponta-cabeça todas as terças.

Quando eu chego, o monstrinho está assim:


Eu vou lá e desviro o coitado:


Mas, na terça-feira que vem, eu já sei que ele vai estar de ponta-cabeça de novo, que nem um Santo Antônio. E eu vou desvirar. E a Lu vai virar de novo. E eu vou me esquecer de dizer "Lu, esse bonequinho é assim mesmo!". E nossa vida vai seguir assim, todas as terças-feiras.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Xenofilia

"Aqui e lá há lacunas
Mas não há lá Iracemas"
-- Itamar Assumpção, Banzo

150 anos é tempo, seis horas é uma viagem curtinha. Isso se você é americano -- americano como todo mundo que nasce nas Américas, não só os estadunidenses.

Para um britânico, seis horas é longe. E 150 anos foi semana passada.

"Em seis horas daria para chegar na Rússia!", me explicou, indignado, o engenheiro britânico, esclarecendo porque achava Curitiba longe de São Paulo.

Ele, que passou o último Carnaval vestido numa alegoria cinza desfilando para uma escola da quarta divisão de Madureira, no Rio.

Que coisa linda é o Brasil.

* * *

Meu colega de classe suíço colou em mim depois da aula, nas escadas estreitinhas do prédio que abrigava a escola em Gloucester Road.

"What are you doing this afternoon?", perguntou, os erres levemente dobrados. Ele era suíço-italiano, o Alessandro.

Eu ia a um bar em Camden assistir a um espetáculo de slam poetry da minha amiga Roberta, às 18h. Convidei, deixei meu celular com ele e disse "se for, me avisa".

18h15, estou saindo de casa rumo ao bar. Chega um SMS do Alessandro: "acha que ainda dá tempo de eu ir?". Eu ri: "claro, vai pra lá, estou a caminho".

10 minutos depois ele já estava lá, me mandando torpedos. Onde já se viu? "Cheguei, tem picanha no menu!". E eu no metrô.

O menino conseguiu chegar antes de mim mesma na minha própria balada.

Entrei no bar meia hora depois dele. Aí lembrei: claro, ele é suíço. Fui distraída pelo sotaque italiano.

A apresentação começou quase às 21h.

* * *

A Irina era russa, devia ter por volta de uns 50, divorciada e com dois filhos em universidades inglesas, estudando Psicologia.

Ela era minha conversation partner naquelas semanas de junho. A gente tinha que conversar sobre as coisas mais diversas, tudo dentro das propostas mais ou menos surreais do material didático.

Um dia ela me contou sobre a Victoria, uma amiga que ela teve aos seis ou sete anos.

A Irina admirava muito a coragem tresloucada da Victoria, que aprendeu a andar de bicicleta em menos de uma semana porque não tinha medo de se arrebentar nos arbustos lá embaixo da ladeira onde elas praticavam.

Elas aprendiam levando a bicicleta até o alto da ladeira, montando e tentando descer.

Eu perguntei: "mas e as rodinhas?"

E a Irina: "que rodinhas?"

E eu: "aquelas rodinhas de apoio, que geralmente as crianças usam para aprender a andar de bicicleta".

E ela: "não existiam bicicletas assim na Rússia".

It's a hard knock life

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Enquanto o mundo cai

"But passion most dissembles, yet betrays
Even by its darkness; as the blackest sky
Foretells the heaviest tempest"
-- Lord Byron, em "Don Juan"

Quando eu tinha 8 anos, assisti "Labirinto - A Magia do Tempo" e fiquei apaixonada pelo David Bowie, mesmo sem saber quem era o David Bowie.

Muito magnético, ele como Rei dos Duendes.

Depois, apareceu em casa uma fita K7 intitulada "Românticas (com eco)". Não sei onde meus pais arrumavam essas coisas.

A primeira música era "As the World Falls Down". Com eco, naturalmente.

Eu ficava ouvindo, rebobinando e ouvindo de novo, sem parar. Descobri que se jogasse a equalização para um caixa só, mesmo sem saber o que era equalização, a música ficava melhor.

E imaginava cenas das quais eu adoraria me lembrar melhor. Mas acho que envolviam o Rei dos Duendes ou o Peixinho, o menino mais bonito da escola; corridas em câmera lenta por campinas verdejantes e um castelo. Tudo na contraluz.

* * *

Quando eu tinha 3 anos, minha mãe me levou ao teatro para assistir a uma montagem da fábula "A Cigarra e a Formiga".

Eu fiquei apaixonada pela Cigarra.

Quando ela morreu, eu chorei. E não parei mais.

Não adiantou nada minha mãe explicar que a Cigarra não tinha morrido, que era só faz-de-conta e o moço estava vivo lá atrás do palco.

Ela me levou às coxias para provar que estava falando a verdade. Aí eu vi que o moço estava vivo mesmo, ele sorriu e fez festinha na minha bochecha e falou "tá tudo bem, viu?".

Mas ele não era a Cigarra. Era só um impostor com as roupas dela.

Ela tinha morrido mesmo.


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Ponteiros

She dreams in color, she dreams in red
-- Pearl Jam, Better man

Depois de 13 anos com um IMC que qualquer criatura decente classificaria como pífio, esta é a primeira vez em que as partes internas das minhas coxas se encontram em pelo menos um ponto, bem em cima, quando fico em pé com as pernas juntas.

Antes, quando eu ficava em pé com as pernas juntas, elas formavam um vácuo pelo qual era possível ver a vida passando, as crianças brincando no parquinho, etc. Pernas finas e tortas.

Quando a gente tinha uns 15 anos e passava as férias na praia, as coxas da Tati juntavam perfeitamente. Ela achava um saco, dizia que dava alergia por causa do calor, de ficar de biquíni o dia inteiro com as pernas relando.

Eu adoraria ter tido pernas relando nesta época. Mas agora está bom também.

Passei de um IMC "pífio" para "risível", apenas.

Se eu chegar aos 50 quilos, vou correndo doar sangue antes que o ponteiro -- imaginário, porque estas balanças nem existem mais -- caia de novo.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

60/90

Um dia eu tava no 775 F-10 e tinha um bêbado no banco do fundo.

Toda vez que o ônibus parava no ponto, ele puxava um corinho:

"Por que parou? Parou por quê? Por que parou? Parou por quwajfas ah ah ah (risada de bêbado)".

Ninguém deu confiança.

* * *

Minha adolescência, nos anos 90, foi vivida nos anos 60.

Teve "Anos Incríveis", teve "Forrest Gump", teve "Diana" do Paul Anka e "Never Can Tell" com o Chuck Berry, da trilha sonora do "Pulp Fiction".

Teve um revival hippie, teve Black Crowes e a Mariah de blusinha de crochê no videoclipe de "Heartbreaker".

Tinha Alpha Memory todo dia de manhã, com "My Pledge of Love".

Eram os meus anos incríveis particulares. Paz, amor (platônico) e Gudang Garam. Oh, please, stand by me. Longas tardes esperando o telefone tocar. Longas noites esperando o sol nascer.

Não quero voltar, nunca quis.

Mas às vezes tenho muitas saudades.

domingo, 4 de setembro de 2011

If you can believe your eyes and ears

If you had such a dream
would you get up and do the things you’ve been dreaming
?
-- Belle & Sebastian, I Could Be Dreaming

Lavei o rosto, ajeitei o cabelo, escovei os dentes. Corri para a cozinha para deixar o café passando. A cafeteira estava suja, tive que lavar (nunca mais deixo a cafeteira suja de véspera). Acendi o fogo com fósforo, a ignição não funcionou.

Voltei pro quarto. Telefonei para a Ceretti, ela podia ir me seguindo de bicicleta. Vesti uma roupa. Não gostei. Corri até a lavanderia e peguei outra calça. Não vai dar tempo de maquiar. Lembrei que precisava por gasolina no carro. Senão não chego.

Tomei o café, mastiguei alguma coisa. Chamei o elevador enquanto trancava a porta. Tirei o carro da garagem tão rápido que nem me lembro. Encostei no posto, "põe 50 de álcool, por favor?".

E aí acordei.

Odeio perder a hora quando já estava quase lá.

E, pior ainda, eu não ia ver a Ceretti.

* * *

Ontem aconteceu uma coisa que eu achei que não ia viver para ver: conheci o apartamento do Dener. Do Dener mesmo, onde ele vai morar/está morando sozinho.

Levei uma peça de peito de peru. Daqueles pequeninos, para lanche, embalados a vácuo. Para ele cortar as fatias de cinco dedos de espessura, que ele tanto gosta, e comer puro, como ele fez tantas vezes nas casas alheias.

Levei um baleiro cheio de 7 Belo e Bolete, duas das poucas coisas verdadeiramente boas e baratas da vida.

E uma cesta com danoninho de potão (porque ele já é grande), flan e danete branco. Porque agora ele pode encher a geladeira da casa dele com todas as delícias que a gente sempre sonha comprar no mercado quando a gente for morar sozinho.

Com novos amigos na sala, contamos mais uma vez a história de quando ele foi assediado pelo enfermeiro afrescalhado no PS de Mongaguá.

Fiquei pensando se sonhamos essa história, de tão boa que ela é. Mas acho que sonhamos quase nossa adolescência toda, e sei que sou loucamente privilegiada de ainda ver e amar as pessoas que sonharam comigo.
As coisas boas e baratas da vida

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Bom é ser feliz com Molejão

Hoje eu resolvi viver a vida perigosamente.

Apertei o "salvar" do publicador *antes* de copiar e colar o código fonte.

* * *

Tudo que eu realmente precisava saber na vida aprendi com o Molejo.

Até hoje eu não entendo se ele fala "Andrezim" ou "Andrezão" naquele diálogo impromptu no meio da música, que tanto alegra meu coração (0:50).

- Andrezim (ou -zão)?
- Fala, fio.
- Sabe qual é a brincadeira que eu mais gosto?
- É claro que não.
- Aquela brincadeira de beijaaaaar.

Aí vem o corinho: é essa? É essa? É essa?, seguido da reação de Andrezim-zão diante da aguardada decisão de Anderson Leonardo (0:04):
- Chora pa beijar, aí (2:37).

E, do nada, é hora do mambo (2:43).

Bom é ser feliz com o Molejão.







quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Malatesta

Hoje eu tô com a macaca.

Mas só por dentro.

* * *

Eu me lembro de uma viagem para a praia em que o Chicão foi. Essas viagens de adolescência. O Chicão tinha uns 12 anos e tinha se casado com uns 8. Traduzindo, ele devia ter uns 19 e tinha se casado aos 17, com a namoradinha de infância que ele conhecia desde os 6. Era uma história linda.

Aí a gente tava conversando num dos quartos, ouvindo o barulho do mar, e ele vira e me diz:
- Tirando sua mãe e a minha, eu gostaria de comer todas as mulheres do mundo.

Acho que o casamento dele não ia muito bem.

* * *

Eu me lembro quando eu e minha mãe estávamos em Napoli e tudo tinha dado errado e a merda do trem que esperávamos na Termini parecia incapaz de se decidir em qual binario ia chegar, e quando chegou era outro trem e o funcionário queria que a gente fosse em pé, e quando eu disse "so I want my money back" ele falou, com sotaque italiano, "no! no mâni béqui!", sacudindo as mãos, e no fim eu achei até engraçado.

Mas a gente tava em Napoli e não ia conseguir chegar a Capri, então resolvemos almoçar no porto e parou um navio de cruzeiro destes enormes e desceu um monte de franceses. E a gente continuou lá almoçando e depois decidimos fumar um cigarro e aí chegou um cara vestido de capitão de navio e pediu um cigarro e nós demos.

E ele começou a balbuciar umas palavras e a gente disse canhestramente, em umas cinco línguas diferentes, "desculpe, não entendo, não sou daqui (não tenho amor)", mas ele continuava balbuciando. E tirou os sapatos e colocou em cima da cadeira e eu pensei "mas esses franceses são bem à vontade, não?", mas de repente ele foi embora e o garçom do restaurante veio e falou: "malatesta!".

E pronto, eu amei essa palavra. O mala testa de Napoli.

O porto de Napoli bem naquele dia azul. O mala testa é o quarto à direita
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Mentira.



terça-feira, 2 de agosto de 2011

Oxítona, paroxítona, proparoxítona

A última vez que eu chorei foi quando a minha amiga me contou como tinha contado para a afilhada dela que a mãe (da afilhada) tinha morrido.

A penúltima vez que chorei foi porque eu pensei que era um tipo de pessoa, mas não era.

A antepenúltima vez que eu chorei foi no show do Arcade Fire no Hyde Park.

(Mas dessa vez eu estava com a cara cheia. Não sei se conta).

* * *

A ante-antepenúltima vez que eu chorei foi quando meu irmão me contou que a filha dele vai se chamar Clara em minha homenagem. Eu mal posso me conter em mim quando conto isso para qualquer pessoa.

* * *

Acabo de perder o controle remoto do dock do iPod embaixo do sofá. Estou à mercê do shuffle.

Por enquanto tá tudo bem, estamos com "Strange Currencies".

* * *

E quando você está irritada eternamente, queima demais o açúcar do chá antigripal, não consegue inicializar o próprio computador, não encontra os acentos no computador emprestado e ainda perde o controle do dock debaixo do sofá?

* * *

Você nem imagina o que tem no seu iPod até perder o controle do dock.


terça-feira, 26 de julho de 2011

All things Silvio

Silvio no ônibus

- Esse aqui sobe a Teodoro?
- Sobe, sim, Silvio, até o Hospital das Clínicas.
- Então ele vai até as Clínicas?
- Isso.
- Depois de subir a Teodoro?
- Exato, Silvio.
- Primeiro ele sobe a Teodoro e depois chega no Hospital das Clínicas?
- Isso mesmo.
- Quer dizer, então, que esse ônibus vai até o Hospital das Clínicas?
- É, Silvio.
- E ele vai pela Teodoro?

* * *

Silvio no restaurante

- O menu executivo inclui sobremesa?
- Inclui, sim, senhor. Vem a entrada, um prato principal e a sobremesa.
- Então, antes da sobremesa, tem o prato principal?
- É.
- E antes dele, a entrada?
- Exatamente, Silvio.
- Porque, depois de vir a entrada, vem o prato principal e a sobremesa?
- Isso mesmo, Silvio.
- Mas se eu quiser a sobremesa, já está inclusa no menu executivo?
- Exato.
- Porque o menu executivo inclui entrada, prato principal e sobremesa, correto?

* * *
Silvio no médico

- É para tomar um comprimido antes de cada refeição?
- Justamente.
- Então, antes de comer, eu tomo um comprimido destes?
- Toma.
- Primeiro eu tomo o comprimido, depois eu como?
- Exatamente, Silvio.
- Se eu comer primeiro, nem adianta tomar o comprimido?
- Não, não adianta, Silvio.
- Porque eu tenho de tomar o comprimido antes de comer, é isso?


Ma ôe

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Glub Glub ou A ingenuidade eterna dos irmãos mais novos

Um dia, acho que eu tinha 17 anos - eu sempre acho que eu tinha 17 anos - a gente estava assistindo "Glub Glub" e o João Paulo falou:
- Tata, como eles fazem para entrar nessa fantasia de peixe?

E eu disse:
- É assim, João: esse corpinho do peixe é um capacete, só na cabeça. Os atores usam uma malha verde do pescoço para baixo, e ficam em frente a um cenário todo pintado de verde, todinho, porque aí depois se projeta um fundo que só aparece na TV, chamado cromaquí.

Ele levou uns três segundos me olhando com cara de desconfiado e depois falou:
- Como você mente, eu sei que são atores anõezinhos!

No que eu devia ter rebatido "e como chama a mulher do anão?". Mas fui completamente desarmada pela ingênua incredulidade invertida do meu irmão.


quarta-feira, 13 de julho de 2011

Never mind the gap

Faz tempo.

* * *

Sempre que eu ouço o Ney cantando bem melífluo sobre o amor da flor de cactus, eu penso nesta pintura da Tarsila. Que nem é um cactus, mas um manacá.

* * *

Eu acho que nunca vi um manacá de verdade. Se vi, não sabia o que era ou não prestei atenção.

Assim como nunca vi uma groselha, nem um sagu.

* * *

O mês passado nas ilhas me levou a algumas observações safadas e genéricas sobre os ingleses.

Os ingleses têm três grandes obsessões, sendo a primeira as coisas feitas da maneira proper e a própria palavra em si. Tudo é ou deveria ser proper, até os cachorros-quentes e hambúrgueres.

A segunda (obsessão) são os trocadilhos, que vão das manchetes de jornais (ver "Fish in best ever shape after cutting the chips") aos nomes das lojas (ver a enoteca "Planet of the Grapes") aos títulos dos grandes clássicos da literatura nativa (ver "The Importance of Being Earnest").

E sendo a terceira o ameaçador, assustador, perigosíssimo e insidioso...

THE GAP.

Eles passam metade do tempo mandando você tomar cuidado com ele em todas as estações do metrô, às vezes com anúncios de voz escabrosa. Como se um vão de dez centímetros entre o trem e a plataforma fosse a maior ameaça viva ao império britânico nestes tempos de crise.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Altas esperanças

"Não existe mais a casa...
-- Mas o menino ainda existe"
-- Manuel Bandeira, em Velha Chácara

O nível de esperança de uma pessoa que vai passar férias em Londres, Dublin e Edimburgo e, antes, marca uma depilação é...

a. doentio
b. razoável
c. descolado da realidade
d. normal. É verão na Europa, os termômetros vão marcar loucos 17 graus e nós vamos nos jogar na Serpentine. \o/

* * *

É incrível como seis pessoas que, antes, dividiam o espaço de um mero sobrado de dois quartos na rua dos Crisântemos possam ter se dispersado para tão longe.

Hoje as cinco pessoas que moraram comigo em quase toda minha memória de infância se espalham por cidades tão distantes quanto Curitiba e Bertioga. Mesmo as que moram perto ficam longe, de alguma forma, pelo trânsito, pela agenda, pelo adiantado da hora: Cotia, São Judas, São Bernardo, Cambuci.

Eu tenho muitas saudades destas pessoas todas. Eu tenho saudades de dividir um pacote de bolacha no sofá e brigar pela última, ou pelo sabor do pacote que deveria ser aberto: doce de leite, chocolate ou morango? As três eram definitivamente umas tranqueiras, mas cada um gostava de uma.

Eu tenho saudades de brigar pelo controle remoto e pelo melhor lugar do sofá. Eu tenho saudades de passar direto pelas pessoas de manhã, sem a obrigação de falar com elas.

Eu tenho saudades de quase tudo, e às vezes esta saudade fica forte mesmo, de doer a garganta, por mais que eu visite estas pessoas, às vezes menos do que eu gostaria.

* * *

Mas aí pelo menos você chega no trabalho segunda de manhã e as amigas elogiam sua bunda.

A mesma bunda que, poucos meses atrás, você descobriu que caiu sem aviso prévio, antes mesmo que você notasse que um dia sua bunda foi empinadinha.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Entre sem bater

"Brutalize me with music"
-- Bob Marley, Trenchtown Rock

Sempre amei essa música, mas só hoje vi as letras. E descobri esta versão do Sublime.

Só fica melhor. E é tudo verdade, todo verso. Porque, no fim, you gotta tell Jah.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Só os loko de Frankfurt, em 1969



1:19 Mina estranha sobe no palco de xale.

1:40 Começa o bailinho atrás da Janis.

1:44 Baixa o santo no que parece ser uma moça (sei lá, nos anos 60 era todo mundo igual, cabeludo, e essa putaria só acabou quando vieram os militares), atrás da mina estranha de xale. Veja mais sobre baixar o santo aqui, a partir do 1:58.

1:58 Groucho entrega um lencinho à Janis. Explica: "é para você limpar a cabeça".

2:03 Ainda não sei se é um homem ou uma mulher recebendo ali atrás. Acho que é uma mulher.

2:09 Toda a ginga e a malemolência do homem alemão.

2:21 Lá vem a melhor parte. Ela entra pelo canto, à esquerda do seu vídeo.

2:25 Aí está a melhor parte, de camisa branca e gravata preta.

2:29 Sair do banco às 16h e ir direto pro show da Janis, quem curte?

2:32 O cara antecipou a lambada, só isso.

2:45 E eu achava que a Janis era LOKA.

3:26 ... (insira aqui um comentário) ...

3:40 Peace, germans.

Don't stop believing

"I never forget a face, but in your case I'll be glad to make an exception."
-- Groucho Marx

Crenças aparentemente conflitantes podem funcionar muito bem.

Eu, por exemplo, sou calvinista...


... e marxista.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O teatro e o meu cu

Qual é o verdadeiro peru pandemonium?

Este...



Ou este?


TCHANAM! Zé Celso por Chico Porto

* * *

O edredon verdinho que ainda me cobre hoje tinha borboletas brancas, eu acho. Isto há muito tempo.

Digo 'eu acho' porque eu mesma desconfio muito de mim.

E também porque não há o menor sinal da estampa de borboleta sobre a trama agora.

Talvez eu tenha imaginado as borboletas brancas.

Mas por que eu teria imaginado isso?

* * *

Tem aquela história famosa que nós contamos sobre o Zé Celso.

Trata-se de um trecho inesquecível de uma entrevista em que ele explica como descobriu o teatro. Ele aponta para o cocoruto e repete a frase solene:

"Eu descobri o teatro quando eu descobri o meu cu".

Supostamente fui eu que assisti isso, ainda nos tempos de rua Atlântica. Muito tempo mesmo, era pré-YouTube. E contei para a Roberta. E ela contou para a classe inteira. E cada uma das meninas da classe reproduziu aquilo de forma que, hoje, os meus colegas de trabalho conhecem a frase. E não por mim.

Mas, para falar a verdade, eu não me lembro mais da cena.

Para falar a verdade, eu acho que a repetição da história simplesmente ocupou o lugar do acontecimento original.

(Porque, por outro lado, eu acho que seria incapaz de inventar esta cena, embora eu adoraria tê-la inventado).

Que nem as borboletas brancas.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Parem de perguntar

Hoje o dia está difícil. Dr. Getúlio morreu e o despertador estava programado para as 7h10. Acordei antes dele tocar, olhei a escuridão do quarto e pensei "ainda tenho umas boas três horas aí".

10 minutos depois, o despertador tocou.

* * *

Até ontem, eu era a única pessoa a estar lendo Agosto, do Rubem Fonseca, depois nos anos 2000.

O bem não triunfa no final. Mas o comissário Pádua é a gênese do Capitão Nascimento.

* * *

Amanhã Kate vai pra galere. Real. O hit do momento é o Kate Middleton For The Win.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Last call for alcohol

Quais as chances de, na Última Ceia, todo mundo ter *de fato* se sentado de um mesmo lado da mesa? Não dá para os comensais conversarem assim.

Mas vai ver Jesus estava com pressa, chegou no restaurante e pediu mesa para 13.

A hostess falou "de 30 a 40 minutos, Senhor" (naqueles tempos, assim como hoje, qualquer coisa relativa à comida -- das receitas à entrega da pizza ao vagar das mesas -- demorava de 30 a 40 minutos).

Ele olhou para o pessoal, que apaziguou.

Pedro arriscou "a gente pede umas bruschetinhas, fica de papo, passa rápido".

Jesus discordou. Virou para a hostess e mandou "não dá, fia, tenho pressa, hoje ainda vou padecer sob Pôncio Pilatos, ser crucificado, morto e sepultado. Não tenho o dia todo, não". E fez cara feia para o pessoal que estava tomando café e enrolando lá dentro.

A hostess falou "temos o balcão, Senhor".

E Ele respondeu "é nesse mesmo. Vamos, pessoal".

E aí ficou assim:

domingo, 3 de abril de 2011

The hardest years


"Eu não encho mais a casa de alegria"
-- Titãs, Não Vou me Adaptar
A adolescência é uma merda.

Quer dizer, é uma época mágica e etc, mas suas roupas param de servir, seu olhar muda e seu quintal continua do mesmo tamanho. É cruel.

Mas o pior é a desproporcionalização. Nada está do tamanho que devia estar. Nem o seu nariz, muito grande; nem a sua bunda, muito pequena; nem suas ambições, desmedidas; nem os seus pelos, muito longos; nem seu cabelo, muito curto; nem suas dores, infinitas.

Em "Persépolis", tem uma cena que mostra isso perfeitamente.




Na verdade, adolescer é um mal necessário, seja em São Bernardo ou no Irã (ou melhor, exilada em Viena).



(Dedicado ao Ricardo)

terça-feira, 22 de março de 2011

Holding back the years

Hoje eu encontrei todas as figuras da minha infância penduradas no Museu de Arte de São Paulo: o Escolar, Suzanne Bloch, a bailarina Loïe Fuller, o lavrador de café, as moças de Guaratinguetá e Leopold Zborowski, que inclusive eu achava muito parecido com um namorado da minha tia mais velha cujo nome me foge agora.

Pode parecer que eu fui educada por preceptores, entre o apartamento de Paris e a casa de campo da Suíça.

Mas a verdade é apenas que meus pais me deram de presente um jogo chamado "Leilão de Arte", e ele foi muito jogado no sobradinho do bairro Assunção, no máximo em Bertioga, os limites da minha infância de subúrbio e de mar.


Eu sempre achei o Escolar perturbado. Hoje eu descobri que ele era funcionário de um sanatório. Isso explica um bocado


Reencontrei a Loïe lançando suas pernas no estupor do can-can


E este era o namorado da minha tia, gente

Há limites

Quando eu era pequena e passava as férias na praia, às vezes todo mundo tinha preguiça e ficava acertado que teria bauruzinho de jantar. Aquele lanche de pão de forma com presunto, queijo e tomate, um clássico das casas de praia de todo o Brasil.


Então minha mãe comprava meio quilo de presunto, meio quilo de queijo e três pacotes de pão de forma. E aquilo tinha que virar bauruzinho para os 523 primos que estavam ali na casa de praia, jogando Jogo da Vida ou Rouba Monte ou zanzando em volta da casa, pelos corredores do quintalzão.


Logo, cada lanche levava tão somente uma fatia de presunto. Uma única, contada fatia, senão o presunto acabava antes. (E, se o presunto acabasse antes, faziam-se os lanches apenas com queijo).


Hoje eu ainda hesito ao estender a mão rumo a uma segunda fatia de peito de peru quando faço um lanche para o meu café da manhã. Porque este é o tipo de coisa que forja o caráter, dividir o presunto com 522 primos.


* * *


Minha mãe, por sua vez, quando era pequena, só comia apresuntado. E olhe lá.


* * *


A Lara não gostou muito do carpaccio que ela experimentou hoje, pela primeira vez, no restaurante tipo buffet aqui perto.


(Em compensação, adorou os chips de abobrinha e o tiramisú de rapadura).


Quando ela quis voltar a se servir e eu disse para ela usar o mesmo prato, ela comeu todo o carpaccio que estava no cantinho, sem reclamar.


Está forjando o caráter.


* * *


Fazer coisas que a gente não gosta forja o caráter. Mesmo que seja pelo prazer de se livrar delas quando a gente cresce.


Como colocar duas, às vezes três fatias de peito de peru no sanduíche das manhãs e se sentir feliz com isso.

* * *


O Arcade Fire não é uma bad hair band?

Ainda bem que eles não precisam ser mais uns rostinhos bonitos na multidão.

* * *

Only Dean has the magic technique.


segunda-feira, 14 de março de 2011

San Andreas Fault

"Go west, paradise is there"
-- San Andreas Fault, Natalie Merchant

Um dia minha mãe assistiu a um documentário sobre a Falha de San Andreas e ficou, como posso dizer?, fascinada.

Tão fascinada que me contou tudo a respeito.

Eu fiquei mais maluca ainda quando soube que existia uma rachadura especial sob a Terra. Como um pontilhado. E que todos esperavam que, um dia, este pontilhado se destacasse de vez. Esperam, ainda.

E eu ainda acho isso estranhamente aceitável e maluco.



* * *

Os temas de interesse da minha mãe são, como posso dizer?, um pouco como terremotos.

Ela se interessa (ou já se interessou) por coisas tão diversas quanto gnomos, tradições gaúchas e a série "Jornada nas Estrelas".

Eles vêm, sacodem a vida dela, botam algumas coisas para sempre em lugares diferentes e se vão.



quarta-feira, 9 de março de 2011

A completa desconhecida

"Stop telling the same story"
-- Ziggy Marley, Tomorrow People

Eu queria um grooveshark em que a gente digitasse "músicas da praia" e ele tocasse "Tomorrow People", "Corações Psicodélicos" e outras músicas que me lembram as tardes de chuva ou de sol em todos aqueles anos de Bertioga.

* * *

Um dia minha tia mais nova saiu para ir à padaria. Caiu a maior chuva e ela voltou para casa dividindo o seu próprio guarda-chuva com uma completa estranha. Só estávamos eu e minha tia mais velha em casa.

Ela parou na porta com aquela perfeita desconhecida ao lado e falou: "adivinhem quem eu encontrei na padaria?".

E eu pensei: "eu devia conhecer esta mulher?".

E minha tia mais velha ficou sem fala.

Como as crianças sabem que quase nunca estão por dentro do que acontece no mundo dos adultos, logo dei de ombros. Minha tia trouxe uma desconhecida em casa, mas tudo bem. Talvez eu esteja perdendo uma parte da história e, de alguma forma, isso é normal.

Aí a mulher foi tomar banho. E minha tia mais velha ficou no corredor, falando baixinho e fazendo caretas para a minha tia mais nova: "bom, agora ela está colocando todas as coisas de valor na bolsa".

E eu pensei: "mas o que ela pode roubar do banheiro? Sabonetes?"

Acho que minha tia mais velha falava mais para torturar a mais nova, recriminando a cabecice-de-vento da irmã caçula. Porque ninguém pode roubar algo de valor de um... banheiro.

(Tirando algum ladrão que entrasse no castelo daquele rei da França que mantinha a Mona Lisa no banheiro).

Minha tia mais nova era cabeça-de-vento e coração-de-ouro. Conheceu a mulher na padaria, deu carona para ela no guarda-chuva e, por alguma razão, se compadeceu dela e convidou-a para tomar banho em casa.

A mulher desconhecida aceitou a generosidade, tomou banho, foi embora e todos os sabonetes continuaram lá.

Minhas tias provavelmente nem se lembram desta história. E talvez ela nem tenha acontecido mesmo.

A gente preenche o passado com impressões e imaginação, e depois não sabe mais o que é cada qual.

sexta-feira, 4 de março de 2011

A memória vívida do Carnaval

"Tem xinxim e acarajé,
Tamborim e samba no pé"
-- Samba-enredo da Mangueira, 1986

Se tenho uma memória vívida do sobrado do bairro Assunção, além das almofadas estampadas em círculos com verde de vários tons, ornando com a cortina, é que dia e noite, naquela casa, tocava o disco dos sambas-enredo do ano.

Dia e noite não. Noite só, que era quando meu pai chegava em casa. E os discos eram dele.

Às vezes a gente afastava as almofadas em vários tons de verde e a cadeira de balanço de vime e ficava dançando na sala.

E aí, naquela casa de um subúrbio paulista, eu virei uma torcedora fiel da Estação Primeira de Mangueira.

E desenhava com canetinha verde e rosa as saias da porta-bandeira.



- Para o meu pai.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

E se minha mãe

"Aids, pop, repressão
O que é que eu fiz para merecer isto?"
-- Ratos de Porão

Sempre que passo por reveses em sequência -- a series of the same misfortunate event -- tenho a clara sensação de que aquilo nunca vai acabar. Eu nunca mais vou dormir bem, o sol nunca mais vai sair, etc.

É meio que o contrário da sensação de abrir a gaveta de roupas de lã no auge do verão e pensar indignada: "como eu pude usar isso um dia?"

* * *

Acordei às 7h e 55 minutos depois estava naquele ambiente asséptico, com chão de granito e suaves tons creme, iluminação indireta, ar condicionado, gente uniformizada falando baixinho.

Cheiro de aeroporto.

Tinha um espaço infantil, uma espécie de castelinho com pinturas coloridas e mesas minúsculas de plástico. Fiquei pensando como seria se eu tivesse uma filha e ela estivesse ali comigo. Imediatamente meu cérebro rebobinou sem eu pedir e pensei como seria se minha mãe estivesse ali e eu com ela, pequena.

Eu não iria no castelinho.

Mas o cheiro do lugar, as cores, as pessoas, iam ficar na minha cabeça para sempre.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Corte seco

Abri os olhos de manhã e vi um cursor de mouse estampado no cenário do meu quarto.

* * *

Nunca houve uma faca decente na minha casa de infância e adolescência, nem nas minhas casas adultas.

Era uma espécie de maldição, um encantamento que algum amolador de facas cigano deve ter jogado na minha mãe.

Não existia um conjunto completo de facas, como qualquer ser humano normal deve ter: uma de legumes, uma de carne, uma de pão, etc. Tinha uma faca boa - às vezes de lâmina, às vezes de serra - e muitas ruins.

E a gente descascava batata com faca de serra, porque era a única boa. No fim, a batata parecia uma ruffles.

Ou cortávamos pão com faca de lâmina, porque era a única boa. No meio do corte, terminávamos o serviço com a mão.

Anteontem eu comprei um conjunto de facas de marca boa, com quatro facas e, pasme!, uma tesoura de cozinha. (Na casa da minha mãe não se achava as tesouras nunca, fossem elas de qualquer cômodo. Muitas vezes a culpa era minha).

Custou só 86 reais.

Eu não sei porque demorei tanto.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Racio-símio

Quando você é legal, pega um punhado de trocadilhos e chavões e faz uma música assim:




Quando não, faz essa bosta:




* * *

Aliás, eu não quero ser aquele tipo de fã cretino que reclama a cada menção de mudança de uma banda. Mas como os Titãs eram legais.

E não são mais.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Enquete

O trecho "Manequim, mil carinhas com o queixo na mão" se refere...

a. às poses que a suposta modelo e tema da música faz, colocando as mãos sob o queixo, conforme visto aos 2:00 (finge que ele é a manequim)

b. aos meninos que estão atrás da modelo, com o queixo caído?

Sério, eu nunca consegui chegar a uma conclusão a respeito.

Maldade

- Às vezes eu acho que pego pesado demais com nossos ex-empregadores.
- Por quê? Eles merecem, roubaram a gente!
- Mas eu não posso ser uma pessoa pequena. A gente não pode cuspir no prato em que comeu...
- Muito bem, que bonito!
- ... especialmente porque vai que um dia ele te alimenta de novo?
- Você é minúscula.
- Eu sei.
- ...
- Vamos tomar um sorvete?
- Vamos!


--- (~) FIM (~) ---

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

The royal we

Matei a academia para comprar flores, vir para casa e ver o por-do-sol.

Até tirei umas fotos para comprovar minha serelepice. Mas o celular e o computador não conversam, o piano anda bebendo e foi impossível colocá-las aqui.

De qualquer forma, o céu agora está azul cobalto. E eu tô aqui sem fazer nada. Matando as saudades do tempo livre.

* * *

Realeza é, de certa forma, saber de onde você vem.

A rainha Ellizabeth II deve ser capaz de remontar sua linhagem por umas 25 gerações passado adentro.

A vendedora da loja em Roma, Solo Roma falou para mim e para minha mãe, com orgulho, que a família dela era romana de verdade -- porque uma pessoa só é romana se a família dela está na cidade há pelo menos sete gerações.

(Magari un po 'razzista. Definitivamente italiano).

Eu sei mais ou menos de onde eu venho.

A parte que eu não sei, invento.
.
.
.
.
(Como meu trisavô pirata que singrava os mares com um lêmure de estimação em vez de um papagaio. O bicho sempre rejeitou os biscoitos que o velho oferecia por cima do ombro. Meu trisavô, meio cego, nunca suspeitou do porquê).

* * *
O piano anda bebendo e não sou eu que estou falando.


Tempo livre

Quando eu era pequena, tinha muito tempo livre.

Tinha tempo de congelar moscas e revivê-las de novo em colherzinhas cuidadosamente balançadas sobre a chama mínima do fogão.

(E ainda tinha tempo de convencer minha mãe de que os procedimentos eram absolutamente higiênicos, porque depois eu lavava a colher com álcool).

Tinha tempo de congelar xampu e condicionador em potinhos vazios outrora ocupados por filmes fotográficos do meu pai.

E depois tomar banho com eles, convencida de que o congelamento garantia uma melhor distribuição do produto.

(Eu tinha tempo de me convencer disso também).

Acho que eu era meio ligada em criogenia.

Ou apenas tinha muito tempo livre.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Harder, better, faster, stronger

Às vezes eu me pego dançando sozinha, bem devagarzinho, no trabalho. Como se não tivesse ninguém em volta. Como se todos os computadores sumissem.

Depois eles voltam e as pessoas também e, no fundo, eu nem ligo se tiver alguém vendo.

Hoje a culpa foi do Daft Punk.

* * *

Mulheres fingem orgasmo. Se alguma disser que nunca fingiu, provavelmente está mentindo. Como os homens que dizem que nunca brocharam.

Mulheres fingem orgasmos porque estão entediadas. Porque querem resolver logo. Porque já estão satisfeitas. Porque têm mais o que fazer. Porque estão com calor demais. Porque se angustiaram. Porque vai começar o Letterman e seu ator favorito vai estar lá. Porque estão com fome e querem comer logo. Porque não querem ferir o orgulho masculino. Porque não querem ferir o orgulho feminino. Porque estão com preguiça de explicar. Porque estão com preguiça de aprender.

* * *

"Cantor do Black Eyed Peas vira diretor criativo da Intel" e "Condessa quer despejar João Gilberto". Em que mundo estamos vivendo, meu Deus?


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

No banheiro

Quando eu era pequena, tomava banho com a minha mãe.

Ela depilava as pernas e eu ficava olhando, intrigada.

Um dia, eu devia ter uns 8 anos, estava tomando banho sozinha e resolvi fazer o mesmo.

Eu sabia para que servia aquele procedimento, eu sabia que não servia de nada nas minhas perninhas peladas. Mas eu queria fazer igual: apoiar a perna, arquear o corpo, passar a gilete. Parecia uma pintura, era bonito, minha mãe fazia. Por que não, não é mesmo?

Aí eu ensaboei a perna, peguei a gilete e - skrit, skrit! - descasquei a pele da canela que nem eu descascava as batatas para ajudar minha mãe a fazer a sopa.

Depois eu tive que usar dois bandaids, de comprido, no lugar descascado.


Quando a gente é pequeno, a gente tem mesmo muito tempo livre.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Não vai nada?

Na sala de reuniões

Diretor: ... e esse projeto só poderia se consolidar com a sua liderança. Por isso, queremos que você seja o novo gerente da área. É claro que a posição exige mais dedicação, mais energia, talvez até mais tempo. Você terá responsabilidades, meu filho. Isso é grande. É para você ver que nós não estamos brincando. A princípio, não temos verba para o ajuste do salário. Mas depois de três meses, quando o projeto estiver andando, vamos rever esta situação. De qualquer forma, você terá uma equipe à disposição. São dois estagiários. Em seis meses pensamos em contratar um fixo. E seu ticket refeição vai passar de 12,84 para 13,78 por dia, pela posição gerencial. E então? Tem alguma pergunta?

Sampaio, depois de um suspiro profundo e uma pausa silenciosa cheia de significados: Tenho, sim. E na bundinha?

Foram suas últimas palavras na empresa.


* Inspirado em um sonho com o Guss.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Mais amigos invisíveis

Los Primos batucavam em toda e qualquer coisa na casa ao lado. Antes de espiar por cima do muro, eu podia jurar que eles tinham uma bateria completa em plena casa de praia.

De um lado do muro, a gente cantava na ducha. Tinha acústica. Do outro, eles acompanhavam na bateria imaginária.

Depois derrubamos o muro e ficamos amigos. Descobri que eles não tinham bateria. Era tudo no improviso.

Quando eles viajavam sozinhos, as mães deles mandavam tapauéres com refeições prontinhas.

Já a gente levava atum e macarrão.

Eles invadiam nossa casa, jogavam peteleco, abriam a geladeira e se serviam de coca-cola -- sem a menor cerimônia.

Em troca, a gente tinha lugar garantido no carro deles quando chegava a noite e as garotas (e garotos) só queriam se divertir.

E nós e Los Primos éramos grandes amigos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Meus amigos invisíveis

"C'est la vie, say the old
folks, it goes to show you never can tell"
-- Chuck Berry, Never can Tell. Da
trilha de Pulp Fiction


O Mestre dos CDs deixava avisos ciosos e meio ameaçadores para mim.

"Não encoste o dedo no CD!"

"Cuidado ao tirar o encarte!"

"Atenção! Estou de olho!"

Tudo isso em papeizinhos enfiados nas caixas dos CDs que ele me emprestava. Não sei como ele arrumava tanto lugar onde por bilhetinhos em um simples CD. Quando você menos esperava, caía de alguma parte da caixinha um pedaço de papel assinado, que descia rodopiando até o chão:

"Assinado: Mestre dos CDs"

Sempre escrito em letra bastão, uma caligrafia ciosa como ele era com os CDs.

Tá certo que eu não acreditava no preceito básico de "guardar um CD dentro da caixa que lhe é correspondente". E eu ria na cara da ideia de "manter os CDs em ordem alfabética". Mas, na cabeça do Mestre dos CDs, toda vez que fosse ouvir uma música, eu provavelmente sentiria uma vontade louca e descontrolada e lambuzar os dedos de manteiga, e isso seria fatal.

Eu não ligava, ciosa como eu era com ele.

E ele era meu melhor amigo, o Mestre dos CDs.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Há um mundo bem menor

Se tem um pequeno poder que eu queria ter é o de comer sem derrubar migalhas.

Se tem um pequeno desapontamento terrível é derrubar a escova de dentes depois que você já colocou a pasta nela.

Se tem uma pequena alegria é o de ouvir o barulho da lixeira do computador esvaziando.

* * *

Outros pequenos desapontamentos:

* o copinho de café cair da máquina sem colherinha;
* o sujeito à sua frente na fila de 20 volumes ter *realmente* 20 volumes no carrinho (quando pareciam 42);
* errar a senha no caixa eletrônico e descobrir que não tem botão corrige.

* * *

Ainda estamos trabalhando em outras pequenas alegrias e outros pequenos poderes.

* * *

Todo meu amor para quem chegou a este blog procurando "datisfeita yolanda" no google.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Os dias na praia

No fim do ano passado, nos dias na praia, a gente assistia à novela das nove (anteriormente conhecida como novela das oito) todo dia.

E assistimos até a "Crepúsculo" no Cinema Especial, porque só pegava a Globo.

E foi uma ocasião muito feliz, porque de que outra forma poderíamos assistir a "Crepúsculo"?

Ver novela também foi prodigioso. Porque no dia seguinte eu me sentia por dentro de um assunto que mais da metade da população domina. É uma espécie de comunhão.

Quando a gente pode escolher entre 150 canais, isso obviamente não acontece.

Livre-arbítrio é que nem iPhone.

Só porque você tem não significa que você saiba usar.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Docinho

Sonhei que o Serra e o FHC foram comer sobremesa em casa.

O Serra levou petit gateau e eu mandava ele por os bolinhos no microondas antes de servir.

Para dar aquela derretidinha, sabe?

* * *

Até quando se pode dar feliz ano novo pras pessoas?

a. até a segunda semana de janeiro
b. até a primeira vez em que você encontra a pessoa, desde que isso aconteça no máximo em meados de março
c. até a Páscoa
d. até dezembro


Ok. Feliz 2011.