"Aqui e lá há lacunas
Mas não há lá Iracemas"
-- Itamar Assumpção, Banzo
150 anos é tempo, seis horas é uma viagem curtinha. Isso se você é americano -- americano como todo mundo que nasce nas Américas, não só os estadunidenses.
Para um britânico, seis horas é longe. E 150 anos foi semana passada.
"Em seis horas daria para chegar na Rússia!", me explicou, indignado, o engenheiro britânico, esclarecendo porque achava Curitiba longe de São Paulo.
Ele, que passou o último Carnaval vestido numa alegoria cinza desfilando para uma escola da quarta divisão de Madureira, no Rio.
Que coisa linda é o Brasil.
* * *
Meu colega de classe suíço colou em mim depois da aula, nas escadas estreitinhas do prédio que abrigava a escola em Gloucester Road."What are you doing this afternoon?", perguntou, os erres levemente dobrados. Ele era suíço-italiano, o Alessandro.
Eu ia a um bar em Camden assistir a um espetáculo de slam poetry da minha amiga Roberta, às 18h. Convidei, deixei meu celular com ele e disse "se for, me avisa".
18h15, estou saindo de casa rumo ao bar. Chega um SMS do Alessandro: "acha que ainda dá tempo de eu ir?". Eu ri: "claro, vai pra lá, estou a caminho".
10 minutos depois ele já estava lá, me mandando torpedos. Onde já se viu? "Cheguei, tem picanha no menu!". E eu no metrô.
O menino conseguiu chegar antes de mim mesma na minha própria balada.
Entrei no bar meia hora depois dele. Aí lembrei: claro, ele é suíço. Fui distraída pelo sotaque italiano.
A apresentação começou quase às 21h.
* * *
A Irina era russa, devia ter por volta de uns 50, divorciada e com dois filhos em universidades inglesas, estudando Psicologia.
Ela era minha conversation partner naquelas semanas de junho. A gente tinha que conversar sobre as coisas mais diversas, tudo dentro das propostas mais ou menos surreais do material didático.
Um dia ela me contou sobre a Victoria, uma amiga que ela teve aos seis ou sete anos.
A Irina admirava muito a coragem tresloucada da Victoria, que aprendeu a andar de bicicleta em menos de uma semana porque não tinha medo de se arrebentar nos arbustos lá embaixo da ladeira onde elas praticavam.
Elas aprendiam levando a bicicleta até o alto da ladeira, montando e tentando descer.
Eu perguntei: "mas e as rodinhas?"
E a Irina: "que rodinhas?"
E eu: "aquelas rodinhas de apoio, que geralmente as crianças usam para aprender a andar de bicicleta".
E ela: "não existiam bicicletas assim na Rússia".