G - Gut!, substantivo próprio. 1. revista de modelos feita à canetinha. 2. fig. interjeição que sempre era falada pelas modelos da capa.
O tempo é pródigo e livre quando você é pequeno. Para preenchê-lo, além de assistir ao Viva a Noite e ao Comando da Madrugada quando nossos pais saíam e nos deixavam por conta, a Tati e eu desenhávamos revistas de moda. A brochura era improvisada com cinco ou seis folhas sulfite dobradas ao meio e grampeadas bem no canto. Depois, desenhávamos as modelos - elas invariavelmente tinham caras quadradas - envergando os looks - sempre divididos em classificações como 'praia', 'campo', 'cidade' e... 'punk' (?!). A modelo mais legal era eleita em uma reunião editorial do nosso staff de duas pessoas, e refeita em tamanho maior, ou em uma pequena variação de pose, na capa. E da boca da modelo da capa *sempre* saía um balãozinho onde se lia... Gut!
H - Hadibre, substantivo próprio. 1. rei mandão.
Eu gostava muito de preencher folhas de linguagem com composições. Às vezes as folhas de linguagem, que eram quadradas e achatadinhas, com dois furos na margem, para prender com bailarinas, acabavam cedo demais (na história). Aí eu ganhava folhas de papel almaço e me dedicava a enchê-las com o resto do enredo. Uma das minhas composições mais longas se chamava "A história de um rei mandão chamado Hadibre" e eu não me lembro muito bem da trama, muito menos de onde veio esse nome (possivelmente do banco de nomes da escrivaninha. V. escrivaninha). Possivelmente era um amontoado de clichês, mas eu tinha oito anos e decorei toda a história com figurinhas recortadas de gibi, então tirei um "Excelente!". Com exclamação.
I - Itatinga, substantivo próprio. 1. vila fundada no início do século 19 nos arredores de Bertioga, onde meus primos moravam. 2. 'Pedra branca', em tupi-guarani.
O Itatinga era uma vila encravada entre a serra e o mar, no meio da Mata Atlântica, em Bertioga. A vila foi construída por engenheiros ingleses, que cravaram uma usina ali, no meio do mato. A Usina Hidrelétrica do Itatinga fornecia energia para a cidade (ou para o porto?) de Santos. Não me lembro bem, mas lembro que meu tio trabalhava lá e, portanto, morava na vila do Itatinga com sua mulher e seus quatro filhos, meus primos. Sempre que a gente ia para Bertioga visitava o Itatinga. Tinha que pegar uma estrada de terra, um barco para atravessar o rio Itapanhaú e um bondinho que ia pelo meio da mata, por uma meia hora, até dar na vila: duas fileiras de casas de madeira amarelas, com janelas e portas verde-água, que apontavam para a imponente usina de pedra ao pé da serra, lá no fundo. Tinha um grupo escolar, uma capela, um ambulatório. Demorou muito para ter um orelhão. Parecia os anos 50. Era incrível. Era tipo o paraíso. Até você morar lá.
Meus primos sempre iam para a casa de Bertioga nas férias de verão. O intercâmbio era mão única: eles na minha casa, em Bertioga ou em São Bernardo. Até que certo ano, por alguma razão, o intercâmbio foi mão dupla. Minha mãe levou o Roni e me deixou. Eu quase morri no Itatinga. Foram os 3 ou 4 dias mais longos da minha vida. Eu não gostava da comida da minha tia. Eu era picada por borrachudos. Eles tomavam toddy, e não nescau (meus primos, não os borrachudos). A gente assistiu "A Mosca" no videoclube à noite. Eu voltei para casa achando que, a qualquer momento, ia ser atacada por uma gigantesca mosca metamorfoseada, igual à do filme, saída de qualquer um dos arbustos que cercavam o caminho. O orelhão estava quebrado e eu tentava me conectar telepaticamente com a minha mãe para ela vir me buscar.
Acho que deu certo. Ela apareceu uns dias antes do combinado, com o Roni todo pimpão e feliz pela temporada longe de casa. E eu passei todos aqueles longos dias assistindo filmes de terror e tomando toddy, e não nescau.