domingo, 28 de março de 2010

Lápis de cor

"grafite

• sf (fr graphite)
1. Grafita.
2. Lápis para desenho.
3. Palavras, frases ou desenhos escritos em muros e paredes como mensagens, como contestação ou simplesmente de caráter obsceno."
Dicionário Michaelis


Um dia, quando era pequena, ganhei do meu pai três grafites de lapiseira coloridas. Uma era azul marinho, outra vermelha e a terceira, laranja.

Coloquei cada uma das grafites dentro da lapiseira e desenhei três projetos de vida: eu astronauta, eu escritora e do terceiro não me lembro. Eu astronauta era azul. Eu escritora tinha uma cor quente, não sei qual das duas.

Eu era pirada em material de papelaria. Isso porque, para mim, cada coisa tinha um significado. Não era só papel e lápis. O contact transparente era algo maravilhoso, porque eu podia transformar meus desenhos em adesivos. E adesivos eram a glória, não sei porquê.

Cada tipo de papel me inspirava alguma coisa. Folhas de linguagem serviam para escrever livros e bailarinas de latão fechavam as brochuras. Papel almaço sem pauta abrigava mapas imaginários. Grafites coloridas viravam projetos de vida.

Naquele então eu achava mais fácil inventar do que copiar, visualmente falando. Hoje notei que acho bem difícil inventar um mapa, por exemplo. Minha habilidade técnica é limitada; meu talento, zero. Isso torna muito difícil desenhar algo verossímil. As baías me parecem uma mentira. Os rios correm por trajetos absurdos. O contorno do litoral é risível. As cidades ficam em branco, carecendo de nomes, o que mais me choca. Porque me é bem mais fácil enganar com palavras.

Talvez seja só falta de prática. Vou tirar o pó e continuar tentando.

terça-feira, 23 de março de 2010

Zeitgeist

"There were no good old days".

Isso é do que mais me lembro quando da nossa visita ano passado à Siegessäule, um monumento famoso de Berlim (é aquela coluna bem alta com o que eu achava que era um anjo dourado - mas descobri ser a deusa da Vitória - em cima). Quando eu subi a longa escadaria encaracolada que passa por dentro da coluna e leva aos pés da estátua, li esta frase escrita no espelho de um dos degraus.

Penso nela todas as vezes em que vejo alguém com aquela atitude "no meu tempo é que era bom".

As coisas das quais as pessoas se queixam sempre existiram, em maior ou menor grau. Só que elas se esquecem. E começam a achar que no tempo delas é que a música era boa. No tempo delas não tinha violência. No tempo delas é que se tinha respeito. But we've always been this close to madness.

Isso sai com mais frequência da boca de pessoas mais velhas. Mas vi que estamos mesmo perdidos, irmãos, quando li no Twitter um post que reclamava mais ou menos do seguinte: "no meu tempo, as crianças gostavam de Dragonball, não do Rebolation". Hahaha. Dragonball foi ontem, mané!

(E, aliás, Rebolation é legal. Podia durar metade do tempo, mas é legal).

Eu tive meu tempo. E terei muitos outros. Não é que eu tenha um problema sério com pessoas que se recordam. Eu adoro me lembrar. Mas existe uma diferença fundamental entre "eu me lembro" e "no meu tempo é que era bom". There were, definetely, the old days. But not only the good old days.

Da Siegessäule, (quase) nada mais me lembro. Porque, ao chegar lá em cima, comecei a passar mal com a altura e conjecturar as teorias mais absurdas e ingênuas (por exemplo, que os nazistas haviam movido esta coluna do lugar original e a plantado lá, então isso não podia ser seguro) e achei piamente que o negócio ia cair com a gente em cima. Desci correndo, à beira de um ataque de pânico, e não tirei a foto que planejara desta frase sensacional. Mas acho que assim ela se gravou ainda melhor na minha cabeça.

* Este post ia se chamar Tempus fugit, mas achei muito esnobe um título em latim. Por favor, me digam que um conceito em alemão não piorou.

* * * * *

Aí veio a Rosana Hermann e resumiu em um tweet:

RT @rosana: Antes da web, alunos copiavam os textos da Barsa.Agora dão Ctrl+C Ctrl+V na Wikipedia. #NadaMudou

domingo, 21 de março de 2010

Turning 32

Amanhã eu vou fazer 32 anos.

Hoje estava contando e já morei em 10 casas.

Isso dá uma média de 3,2 anos por casa, o que parece absurdo, já que tem uma casa em que parece que eu morei toda a minha vida: a casa do bairro Assunção.

Na verdade, a casa do bairro Assunção foi a terceira. Primeiro, logo que eu nasci, moramos num apartamento alugado em São Caetano do Sul. Depois, para meus pais conseguirem um fôlego a fim de financiar o grande sonho brasileiro da casa própria, moramos por um tempo na casa da minha avó, na Vila Alpina, em São Paulo.

Aí, quando eu tinha 4 anos, nos mudamos para a rua dos Crisântemos, 154. O simples enunciado do endereço, "rua dos Crisântemos um-cinco-quatro", me parece radiante, luminoso e fundamental ainda hoje.

O sobrado da rua dos Crisântemos tinha dois quartos, sala, cozinha, um banheiro, lavanderia, garagem na frente e quintal no fundo, ligados por um corredor, onde eu me deitava e olhava para a altura da casa bem rente ao muro. Era tão grande, meu Deus, parecia o Everest. Mas eu é que tinha só 4 anos.

A casa era um primor da cultura de subúrbio, com um ipê amarelo em frente, portão de alumínio, garagem coberta por aquelas telhas brasilit (que minha mãe sempre sonhava em transformar em uma laje, claro), vitrôs de vidro ondulado, carpete por dentro e móveis em cerejeira.

Eu nunca vi o telhado da casa do bairro Assunção. Morei lá de 1982 a 1990. Meu irmão nasceu quando a gente morava nessa casa. Eu fui para a escola nessa casa. A Rê veio morar com a gente nessa casa. E a Mari nasceu literalmente ali, pelas mãos da Angela (diz-se An-guê-la), a parteira alemã que veio ajudar a Tita a ter seu primeiro bebê.

82 a 90 são oito anos. Quase dez. Significativamente mais que 3,2. Mas ainda parecem pouco, oito anos, para a casa do bairro Assunção.