sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

E se minha mãe

"Aids, pop, repressão
O que é que eu fiz para merecer isto?"
-- Ratos de Porão

Sempre que passo por reveses em sequência -- a series of the same misfortunate event -- tenho a clara sensação de que aquilo nunca vai acabar. Eu nunca mais vou dormir bem, o sol nunca mais vai sair, etc.

É meio que o contrário da sensação de abrir a gaveta de roupas de lã no auge do verão e pensar indignada: "como eu pude usar isso um dia?"

* * *

Acordei às 7h e 55 minutos depois estava naquele ambiente asséptico, com chão de granito e suaves tons creme, iluminação indireta, ar condicionado, gente uniformizada falando baixinho.

Cheiro de aeroporto.

Tinha um espaço infantil, uma espécie de castelinho com pinturas coloridas e mesas minúsculas de plástico. Fiquei pensando como seria se eu tivesse uma filha e ela estivesse ali comigo. Imediatamente meu cérebro rebobinou sem eu pedir e pensei como seria se minha mãe estivesse ali e eu com ela, pequena.

Eu não iria no castelinho.

Mas o cheiro do lugar, as cores, as pessoas, iam ficar na minha cabeça para sempre.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Corte seco

Abri os olhos de manhã e vi um cursor de mouse estampado no cenário do meu quarto.

* * *

Nunca houve uma faca decente na minha casa de infância e adolescência, nem nas minhas casas adultas.

Era uma espécie de maldição, um encantamento que algum amolador de facas cigano deve ter jogado na minha mãe.

Não existia um conjunto completo de facas, como qualquer ser humano normal deve ter: uma de legumes, uma de carne, uma de pão, etc. Tinha uma faca boa - às vezes de lâmina, às vezes de serra - e muitas ruins.

E a gente descascava batata com faca de serra, porque era a única boa. No fim, a batata parecia uma ruffles.

Ou cortávamos pão com faca de lâmina, porque era a única boa. No meio do corte, terminávamos o serviço com a mão.

Anteontem eu comprei um conjunto de facas de marca boa, com quatro facas e, pasme!, uma tesoura de cozinha. (Na casa da minha mãe não se achava as tesouras nunca, fossem elas de qualquer cômodo. Muitas vezes a culpa era minha).

Custou só 86 reais.

Eu não sei porque demorei tanto.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Racio-símio

Quando você é legal, pega um punhado de trocadilhos e chavões e faz uma música assim:




Quando não, faz essa bosta:




* * *

Aliás, eu não quero ser aquele tipo de fã cretino que reclama a cada menção de mudança de uma banda. Mas como os Titãs eram legais.

E não são mais.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Enquete

O trecho "Manequim, mil carinhas com o queixo na mão" se refere...

a. às poses que a suposta modelo e tema da música faz, colocando as mãos sob o queixo, conforme visto aos 2:00 (finge que ele é a manequim)

b. aos meninos que estão atrás da modelo, com o queixo caído?

Sério, eu nunca consegui chegar a uma conclusão a respeito.

Maldade

- Às vezes eu acho que pego pesado demais com nossos ex-empregadores.
- Por quê? Eles merecem, roubaram a gente!
- Mas eu não posso ser uma pessoa pequena. A gente não pode cuspir no prato em que comeu...
- Muito bem, que bonito!
- ... especialmente porque vai que um dia ele te alimenta de novo?
- Você é minúscula.
- Eu sei.
- ...
- Vamos tomar um sorvete?
- Vamos!


--- (~) FIM (~) ---

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

The royal we

Matei a academia para comprar flores, vir para casa e ver o por-do-sol.

Até tirei umas fotos para comprovar minha serelepice. Mas o celular e o computador não conversam, o piano anda bebendo e foi impossível colocá-las aqui.

De qualquer forma, o céu agora está azul cobalto. E eu tô aqui sem fazer nada. Matando as saudades do tempo livre.

* * *

Realeza é, de certa forma, saber de onde você vem.

A rainha Ellizabeth II deve ser capaz de remontar sua linhagem por umas 25 gerações passado adentro.

A vendedora da loja em Roma, Solo Roma falou para mim e para minha mãe, com orgulho, que a família dela era romana de verdade -- porque uma pessoa só é romana se a família dela está na cidade há pelo menos sete gerações.

(Magari un po 'razzista. Definitivamente italiano).

Eu sei mais ou menos de onde eu venho.

A parte que eu não sei, invento.
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(Como meu trisavô pirata que singrava os mares com um lêmure de estimação em vez de um papagaio. O bicho sempre rejeitou os biscoitos que o velho oferecia por cima do ombro. Meu trisavô, meio cego, nunca suspeitou do porquê).

* * *
O piano anda bebendo e não sou eu que estou falando.


Tempo livre

Quando eu era pequena, tinha muito tempo livre.

Tinha tempo de congelar moscas e revivê-las de novo em colherzinhas cuidadosamente balançadas sobre a chama mínima do fogão.

(E ainda tinha tempo de convencer minha mãe de que os procedimentos eram absolutamente higiênicos, porque depois eu lavava a colher com álcool).

Tinha tempo de congelar xampu e condicionador em potinhos vazios outrora ocupados por filmes fotográficos do meu pai.

E depois tomar banho com eles, convencida de que o congelamento garantia uma melhor distribuição do produto.

(Eu tinha tempo de me convencer disso também).

Acho que eu era meio ligada em criogenia.

Ou apenas tinha muito tempo livre.