domingo, 27 de junho de 2010

No farol

Dia desses eu estava parada no farol quando uma moça vestida de joaninha se aproximou e me entregou um panfleto que alardeava as últimas unidades de um empreendimento imperdível, bem localizado e perto de tudo que eu preciso.

Uma moça vestida de joaninha.

O que acontece com as incorporadoras e imobiliárias que fazem as pessoas entregarem folhetos no farol vestidas de joaninha, egípcia ou envergando trajes de gala?

Roberta outro dia me disse que um possível surgimento da commedia dell'arte está nos vendedores dos mercados que precisavam se diferenciar no anúncio de seus produtos.

Um gritava, o outro gritava também. Então o um decidia ir trabalhar fantasiado. E o outro o superava com piruetas. E o um declamava um poema. Tudo para atrair a freguesia. A gente precisa do dicumê, né?


Aí lembrei do Marx (Karl, não Groucho), que cabeceou a bola lançada por Hegel e resumiu num golaço: a história se repete, primeiro como farsa e depois como tragédia.

The lost weekend

Quase todos os dias ele me acorda e, então, ouve a frase:
- Eu não quero mais ir.

Eu nunca quero ir a lugar algum de manhã. Nem trabalhar, nem caminhar, nem andar de bicicleta, nem andar de avião. Nem ir ao shopping. Nem ver o Brasil.

Na noite anterior eu posso até estar de acordo com meu destino na manhã seguinte, mas quando essa manhã chega nada parece melhor que a minha cama, então eu nunca quero mais ir - seja para onde for.

O problema é que hoje eu não pude dizer isso, pois eu já não queria ir desde ontem à noite. Desde sexta.

Que bom que o plantão acabou.

sábado, 26 de junho de 2010

Sometimes the clothes do not make the decade

"Gotta have some faith in the sound
It's the one good thing that I've got"

Há 20 anos George Michael lançava "Freedom '90".

Quer dizer, não há 20 anos exatos, porque o single saiu em 15 de dezembro.

Era o fim dos anos 80 e George declarava ele mesmo, em alto e bom som, que já não era mais aquele, olha a cara dele.




Uma nova década parecia surgir no horizonte, com a promessa de faces como Linda Evangelista, Cindy Crawford, Christy Turlington e Tatjana Patitz deixando para trás a era de Magda Cotrofe e Kelly LeBrock. Com a esperança de nunca mais cortarmos os cabelos daquele jeito ridículo ou de combinarmos rosa choque com amarelo e verde abacate.

Mal sabíamos que os anos 80 ainda iam durar mais 20 anos.

Mas a música continua uma delícia.

...

O espelho da penteadeira do meu quarto tem uma leve deformação. Daquelas que esticam ou achatam o reflexo, como naquelas casas de espelhos de parques de diversão antigos.

E aí eu notei que tem um ângulo específico na penteadeira em que eu fico a cara do Matt Damon.



É realmente impressionante.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Cheiro de cravo, cor de canela

A primeira vez em que vi uma cena de "Gabriela", a estonteante personagem de Jorge Amado vivida na tv e no cinema pela Sonia Braga, não entendi porque todo mundo achava ela tão sexy.

Principalmente depois que vi o pelão.




Hoje eu entendo. Depilação é um processo cruel, e felizes das mulheres que viveram ou vivem em tempos ou culturas em que o pelão é ok.

Não que ele seja lindo ou cheiroso.

Mas ninguém devia ser obrigada.

(Veja o pelão no 0:33)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

De bon cœur

- Amontoamento de costelas!

Era isso que a Roberta gritava quando sentia que, bem, suas costelas estavam se amontoando.

Um belo dia, da primeira vez, ela disse "sabe quando parece que suas costelas se amontoam?".

Eu já tinha respondido "sim" para várias perguntas da Roberta que começavam com "sabe quando", e perguntas das mais variadas naturezas. Mas pela primeira vez eu disse "não".

Não existe esse negócio de costelas amontoarem. Aquilo devia ser outra coisa que a gente não sabia diagnosticar.

"Amontoamento de costelas!", a voz dela ficava meio embargada e eu começava a rir e ela também, o que piorava o estado da paciente.

Acabamos concluindo que eram palpitações, mas ainda hoje o amontoamento de costelas me intriga.

Mine've been like Verlaine's and Rimbaud

Então, ao que eu entendi, um poeta casado de 27 anos caiu de amores por um enfant terrible, não menos talentoso, de 17. E o século em vigor ainda era o 19. Muitos números.

Chamou o menino para morar na casa dele, e não nos admiremos que a esposa não curtiu.

Ele vivia de versos e absinto e da obsessão pelo enfant, e a mulher, que absolutamente não tinha nada a ver *com* nem como lutar *contra* aqueles olhos azuis e aquele cabelo em irresistível desalinho, se encheu.

O poeta mais velho foi para Londres com o menino, também poeta e não menos terrible, a tiracolo. Uma vida de pobreza em Camden e dias na Biblioteca Nacional para não passar frio.

Quando o menino decidiu ir embora, o mais velho foi na estação de trem. Deu basfond e atirou.

Foi preso, se converteu ao catolicismo, a mulher já tinha dado linha na pipa.

O menino virou traficante de armas.

E os dois viraram versos de uma música linda do Bob Dylan.

(Mas que eu conheci pela Madeleine Peyroux, porque eu quase sempre conheço as versões pelo lado torto).

E o referido é verdade e dou fé.

Mas com essa cara até eu, né, Yolanda?

terça-feira, 15 de junho de 2010

Para cima os corações

Às vezes, quando estou andando na rua, tenho uma vontade quase incontrolável de colocar coisas na cabeça.

Pode ser minha bolsa, o cachecol ou uma sacola.

Sabe o stuff on my cat? Vou fazer um stuff on my head.

* * *

Você sabe que está ficando velha quando percebe um sensível aumento no medo de ser atropelada. Mas sempre olha para a mão errada da rua antes de atravessar.

E quando não encontra mais o código de embed depois que o YouTube muda o layout.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

No improviso é diferente

Há duas noites sonhei que estava em um auditório lotado, esperando uma apresentação teatral.

Lembro que estávamos eu, minha mãe e meu irmão, e algumas amigas do trabalho.

Aí começava o espetáculo e um dos atores chamava meu irmão para subir ao palco e improvisar. E ele não ia.

(O auditório era tão grande que eu nem conseguia ver o que estava acontecendo no palco).

Então eu virava para dizer para o João que ele era um palhacinho e que devia ter ido, quando vejo a Beyoncé. Sentada bem atrás de mim.

E ela defendia o João Paulo e falava: "eu também não iria".

Aí eu esquecia o João Paulo e falava para a Beyoncé: "mano, você canta para milhões de pessoas, como ia ter vergonha de participar daqui do gwshfordszix?" (Estou usando essa palavra porque eu não sei o que era aquele espetáculo, afinal, mas no sonho eu sabia).

E ela explicava: "ah, mas uma coisa é quando você ensaia, entendeu?, para fazer o seu número. Outra é improvisar".

Acho que entendi, Beyoncé.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O corpo invisível

Às vezes eu me esqueço de secar umas partes do meu corpo ao sair do banho.

E só percebo quando a camiseta que eu vesti parece meio úmida e colada às minhas costelas. Ou quando a calça do pijama gruda na parte de trás da coxa.

* * *

Estava de plantão no sábado e descobri uma celebridade que se chama Thaila Ayala. Thaila Ayala, Thaila Ayala, Thaila Ayala. Não consigo parar de falar esse nome tão peculiar.

Thaila Ayala, atriz e trava-línguas.

Me lembrou da Ruby Navarro, atriz e... trava anão.

(Não clique se estiver no trabalho)

Eu avisei.

* * *

Eu fiquei realmente obcecada com a Ruby Navarro. Até descobri o blog dela.

Ela não atualiza mais, mas o "Quem Sou Eu" é incrível. "Posso não ser a perfeita... mas sou a única" e "Antes de me criticarem ... tentem me superar" são meus trechos favoritos.

Também gosto um bocado da parte em que ela é decidida, resignada e tenaz, nesta ordem:

"Tento sempre chegar a onde quero .... mas as vezes não é possivel ... mas com a luta sempre se chega a onde se quer.... !!!"

Gostei muito da Trava Anão. Ela agora é minha segunda travesti favorita, logo depois de Vanessão, que eu acho tão digna e ninguém sabe se ainda vive ou não.

domingo, 6 de junho de 2010

Tulipas que, de tão pretas, eram púrpura

Teve um dia em Roma em que eu e minha mãe decidimos desligar os despertadores e acordar quando desse vontade.

Ela acordou antes e fez todo o café da manhã. Depois veio me chamar bem baixinho.

E eu tive um estranho flashback de algum ponto da minha vida em que eu morava com ela.

* * *

Algumas diversões da minha mãe em Roma foram tentar decifrar mentalmente a planta do apartamento alugado, a fim de descobrir para onde dava uma porta que estava trancada. E tentar encontrar o pipi das estátuas clássicas, como a dos homens que representam rios na Fontana Dei Quattro Fiumi.

A sala secreta não foi encontrada. Mas o pipi das estátuas ela achou.

* * *

Ela não gostou muito da Galleria Borghese.

(Mas também, deixou os óculos na chapelaria).

No entanto, se apaixonou pelas tulipas do jardim do museu, que eu chamei de negras quando vistas da janela lá de cima, mas que na verdade eram púrpura.

sábado, 5 de junho de 2010

Be aggressive

Ontem eu estava uma vaca insuportável.

Mas só por dentro.

* * *

Darlene* tinha uma forma bem engraçada de expressar sua, digamos, insatisfação com alguém ou com alguma situação.

Ela ouvia atentamente o interlocutor -- um professor arrogante ou uma colega de classe folgada, sei lá -- e, em seguida, coçava alguma parte do rosto com o dedo médio, dando ao ato ênfase suficiente para eu perceber que ela estava, de fato, mandando a pessoa ir se fuder. Mas também com delicadeza suficiente para que parecesse, ao ofendido, um gesto corriqueiro.

Às vezes ela esfregava o canto da testa com o polegar e o indicador. Isso significava que o interlocutor era um corno.

* * *
Eu nunca arrumei um jeito tão bom assim de expressar minha agressividade.

Por isso, quando fico uma vaca mesquinha e insuportável, é só por dentro.

* O nome foi trocado para que Darlene possa continuar amaldiçoando as pessoas apenas coçando a testa ou a bochecha, sem que elas percebam.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

To follow my bliss

Eu disse a ele que não seria mais engraçada, porque homens gostam de meninas bonitas, não de meninas engraçadas.

Ele riu.

Quais as minhas chances?

***

Da correspondência diária:

"Eu tenho uma limitação terrível, da qual só me dei conta há pouco. Tendo a achar que, depois que a folhinha virou para 2000 e eu terminei a faculdade, nada de novo aconteceu. Talvez isso seja motivado por crescer achando que a vida se resumia a infância-adolescência-vida adulta. Então, depois do diploma, de um casamento e dos anos 00, eu já era adulta e nada mais podia acontecer.

Então vem a vida de verdade (não aquela que você imagina, divide, quantifica e classifica) e muda tudo."

Escrevi isso com toda sinceridade em uma ampla e carinhosa troca de emails motivada pelos 5 anos da ocasião em que lancei, com amigas queridas, um livro. E me lembrei de Joseph Campbell, um jedi da vida moderna, que disse, entre um milhão de outras coisas incríveis:

"Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos viver a vida que nos espera. (...)

"Quando nos deixamos guiar pela felicidade, nos posicionamos num tipo de caminho que sempre esteve ali, à nossa espera, e vivemos exatamente a vida que deveríamos estar vivendo."

Joseph também disse que "mitologia é o nome que damos às religiões dos outros".

Acho que vou fundar a igreja Joseph Campbell é Amor.