domingo, 30 de maio de 2010

2012 é aqui

Vaticinei há algum tempo no Twitter que 2010 era o novo 2012, mas isso foi só porque eu queria fazer parte da onda apocalíptica e tals. Mas depois que as manchetes deram conta de um naufrágio em Brasília e desse buraco na Guatemala, acho que estamos prontos para o fim do mundo.


Eu curto demais profecias do fim dos tempos. O terror, os mortos levantando, Jesus voltando flutuando em uma nuvem, os DJs, as trombetas, a vodca no open bar...

Tá. Eu sei que não é assim. Mas gosto de imaginar, a sério, os cenários fantásticos e cheios de horror. É o fim, camarada. Se você foi um bosta, nada vai te salvar de algo pior do que a morte.

Quer dizer, a gente sabe que as narrativas são, assim, meio míticas, né? Que, tipo, você tem que se comportar e tal, ser um bom cristão/judeu/muçulmano/iorubá, ou sua alma não será gratificada. Mas...

Sabe o que ia ser mesmo legal? Se todos aqueles lances fantasiosos de gafanhotos com sete cabeças, bebês nascendo no meio do céu e gente flutuando de repente acontecessem... *mesmo*.

Imagina Deus falando: "vão pensando que são boy".

E saindo numa kombi filmada, com um adesivo "nem me viu" no vidro de trás.

De como as palavras vão mudando

Eu gosto de como as palavras vão mudando e desenterrando sentidos.

Siena é um pigmento marrom avermelhado de pintura. O pigmento siena chama assim porque vem da terra da cidade de Siena, na Itália. A cidade de Siena chama assim porque, segundo a lenda, foi fundada por Senio, filho de Remo.

Ele, que provavelmente é inventado, jamais poderia imaginar que daria nome a um marrom avermelhado.

(E a um carro da Fiat).

Outras palavras mudam de lugar, mas não de sentido.

O Capitólio era uma das sete colinas romanas, sede do poder mundial daqueles tempos de Roma caput mundi e tal. E é um prédio em Washington, sede do poder mundial destes tempos, "a A América para os americanos" e tal.

* * *

Não dá para não amar Roma e os romanos. Estou lá, lendo a história mítica da fundação da cidade, e *no mito* eles são fundados por gêmeos que mamaram em uma loba, foram morar com um pastor e roubavam salteadores em emboscadas na estrada. Quando decidiram partir do lugar onde foram criados, levaram com eles todos os párias possíveis e, no fim, um matou o outro porque cada qual queria que a cidade fosse num canto.

O mito é uma chance que se dá às pessoas de explicar suas origens com alguma licença poética, some embellishment, e ainda assim fiel à verdade. Mas o mito de Roma já é tipo "Náufragos, traficantes e degredados".

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Family girl

A minha parente mais velha é a minha tia-avó Ana.

Ela me contou que, em 88 anos de vida, só vomitou duas vezes. A primeira, quando estava grávida da segunda filha. A segunda, quando fez a operação de catarata, uns 5 ou 6 anos atrás.


Ela passou bem mal com a operação. E nem sequer voltou a enxergar direito. "Me botaram na mão dos estudantes!", ela me diz, indignada.

A mãe da tia Ana, que é minha bisavó e avó do meu pai, era parteira. Ela se chamava Filomena e morava no Indaiá, uma vila de Bertioga que devia ser meio parecida com as vilas de pescadores das novelas.

Eu perguntei se pagavam ela pelo trabalho. Ela disse que não era um serviço, assim, pago. As pessoas davam alguma coisa que tinham, ou nada. Era como eu imaginava, e fiquei orgulhosa.

A tia Ana tem saudades de comer tainhas. Tinha um monte delas por lá; meu tio Tião, que é sobrinho dela e irmão do meu pai, se lembra de uma pescaria mitológica, quando pegaram 4 mil tainhas passando a rede no Indaiá. "Ovada, Cla!", ele detalha. Isso quer dizer que elas tinham ovinhos na barriga, ovinhos que você pode assar e comer também.

Acho que vou investigar mais a respeito.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mac, make me up

Quando eu não precisava, achava realmente um barato me maquiar. Acordava mais cedo para passar rímel, lápis de sobrancelha e batom.

Nos finais de semana ou nas festas de formatura, passava também delineador e blush. Virei mestra do delineador na mesma época em que passei a frequentar a Twists, danceteria de São Caetano que abria aos domingos, das 20h à meia-noite. A prática levou à perfeição.

Passar maquiagem, na verdade, é usar uma cara que não é a sua.

Achava que esta máxima se aplicava somente à Lady Gaga, mas outro dia vi uma colega de trabalho sem make e quase não reconheci.

Maquiagem é propaganda enganosa. Por isso não passo todo dia. Para economizar um pouco na mentira.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sorte grande

Eu vou confessar uma coisa sinistra.

Às vezes quase choro de emoção quando ouço "Sorte Grande", da Ivete Sangalo. É. A música que eu (e a torcida do Flamengo) jurávamos se chamar "Poeira".

Engraçado, porque eu sempre tive o maior desprezo por axé music (coisa que veio a mudar depois do Carnaval de 2009, mas isso conto em momento mais adequado). Só que, num belo sábado de 2006, acordei amando essa música. Assim mesmo, acordei amando. Não é que acordei com ela na cabeça; que baixei e ouvi umas 4 ou 5 vezes no dia e passou. Não. Acordei amando.

Aí tudo bem, ficou aquele amor pelo hit de verão de Ivete ali, guardado. E, de repente, eu percebi que talvez eu amasse essa música porque ela me lembrava o meu irmão João.

Um, por razões óbvias: ele adora axé. Dois, por razões que só fui perceber depois: quando o João Paulo nasceu, eu não gostava muito dele. Narrei essa história mil vezes, e hoje ela é mesmo engraçada, mas eu sofri de verdade naquele outubro de 83, quando ele chegou depois de nove meses de promessas de "um amiguinho" e de repente eu tinha que dividir todo o meu mundo com mais alguém.

Mas em seis meses eu acho que já gostava mais do João Paulo do que de qualquer outra pessoa do mundo. A minha sorte grande foi ele cair do céu. Minha paixão verdadeira.


Olhaí, meu olho já se encheu de água.
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Canta, Ivete, enquanto eles riem.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Música de verão

Gravado entre 67 e 68, "The Papas & The Mamas" foi lançado pela banda de nome contrário em maio do ano que não terminou. Ao contrário do ano, tanto a banda quanto o álbum acabaram em grande estilo: com Midnight Voyage, uma música que eu ouço há 16 anos.



E só hoje descobri que o Little Joy fez uma versão ano passado. 41 anos depois da gravação da música, 16 anos depois de eu ter transformado, à revelia de todos os primos adolescentes, o meu The Mamas and The Papas: 16 of Their Greatest Hits - descoberto e adquirido em suave negociação com meu pai em uma visita ao Carrefour Anchieta - no hit álbum absoluto do verão de 1994, em Bertioga.

Tenho até hoje. Mas começa a pular em Monday Monday e só para em My Girl. Ainda bem que a excelente Dream a Little Dream of Me de Mama Cass permanece intocada.

domingo, 16 de maio de 2010

Os homens de saias

Eu quase nunca não estou fazendo nada. Eu devia não fazer nada mais vezes.

Mas sempre que não estou fazendo nada eu fico pensando em ações mirabolantes que vão definir a minha vida. Como escrever um livro, fundar uma ONG, me mudar para uma cidade longínqua ou pelo menos arrumar os comprovantes de pagamento das minha contas, que se acumulam em maços de papéis alojados nos lugares mais insuspeitos, como uma bolsa que eu não uso há meses ou a gaveta de lençóis do guarda roupa.

Quando eu penso em escrever um livro, quase sempre desisto porque nunca encontro a frase inicial perfeita. Imagina, então, encontrar o fim. Antes de largar a ideia, no entanto, fico pensando em quem eu seria de saias. Porque todo mundo parece ter essa fixação em definir uma mulher como um determinado fulano "de saias". Pode ser qualquer um, não importa: basta acrescentar o "de saias". "Nabokov de saias", "Paulo Coelho de saias", "Joyce de saias" - este último, para o português de costume, parece apenas uma expressão natural descrevendo a manicure, a vizinha ou a recepcionista do consultório envergando uma bela e florida peça usual do vestuário feminino, e não uma comparação perversa de gêneros (tanto sexuais como literários).

Caso o objeto de comparação já seja uma mulher, pode-se passar para o "tupiniquim", com a variação pseudolibertária "dos trópicos". Assim: Miranda July tupiniquim. Marian Keyes tupiniquim. Jane Austen dos trópicos.

Depois disso, só falta ganhar o Jabuti, que é o "Oscar da literatura". E se ver envolvida em um escândalo de superfaturamento de edições noticiado como o "editoragate".

O que eu mais quero/O que mais eu quero

Durante a semana em Roma, havia uma imagem e uma frase poderosas que dominavam os corredores de todas as estações do metrô. Era o cartaz de um filme chamado "Cosa voglio di più".
Pensei que "cosa voglio di più" significasse "o que eu mais desejo". Acho que foi a foto do cartaz que me induziu à tradução errada.

Fiquei com aquilo na cabeça, assim como fiquei com a imagem e o amor de outras palavras escritas também em uma estação do metrô, mas na plataforma da Re di Roma, feitas com o dedo sobre a sujeira que levanta dos trilhos e se gruda aos azulejos:

Roma, solo Roma
Caput Mundi

E só hoje, ao escrever esta historinha, vim a descobrir que talvez "cosa voglio di più" não signifique "o que eu mais quero", mas sim "o que mais eu quero" ("what more do I want"), o que muda tudo; e mudar tudo me desaponta um pouco porque eu estava errada, mas também me enche de alegria porque mostra como uma mera, pequena troca de ordem, só de duas palavras, pode mudar todo o sentido de uma frase, e eu gosto de sentir que uma mera, pequena alteração em alguma coisa pode mudar tudo de forma radical.

Passei semanas refletindo sobre o que eu mais quero instigada pela imagem e pelas palavras do cartaz. A resposta, por incrível que pareça, é a mesma que eu daria se tivesse me esforçado para responder à pergunta "o que mais eu posso querer?". O que eu mais quero é o que mais eu posso querer.

Me surpreendi ainda mais, porque às vezes, mudar tudo não muda nada.

Os olhos treinados pegam a declaração de amor improvisada
e subterrânea a uma cidade

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pedindo pouco

Depois de muito tempo sem cometer este tipo de bizarrice, tomei uma decisão desconsiderando completamente a existência do amanhã e desafiando tudo que meu corpo aguenta e tudo que aprendi, a duras penas, ao longo de tantos anos.

Comprei uma minipringles de páprica para o café da manhã. (E acompanhei com água com gás).

Se vocês acham que isso é amadorismo, esperem até ouvir a história da minha amiga Chris, que, em ato de rebeldia contra os poderes maternos, que nunca a deixavam pintar os cabelos, resolveu radicalizar e comprou um... xampu tonalizante.

Da mesma cor dos cabelos dela.

* * *
Ontem, entrei no táxi de manhã, disse "bom dia, moço, vamos para a praça Buenos Aires, ali em Higienópolis, o senhor conhece? Que bom" e espirrei. Aí assoei o nariz. Aí o taxista vira para mim e entra de sola:

- Você já tomou a vacina da gripe?!

E eu: "hã?".

E ele: "a vacina da gripe. Precisa tomar, hein. Sua faixa etária já foi."

E eu: "olha, moço, não. A minha faixa etária é agora, é esta semana."

E ele, solando mais uma vez: "Quantos anos você tem?!"

E eu: "32!"

E ele: "Nossa, não parece. Mas não parece mesmo, hein, moça."

Gosto de como a gente nunca sabe para onde uma história vai.

* * *

Meu reino por uma semana, uma semaninha só, sem nenhum círculo em torno dos dias.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Podia por no Twitter

Regozijar-se é um verbo que só existe na Bíblia. Ninguém se regozija nas ruas, diariamente, no cotidiano. Só aqueles vindos de uma longa linhagem, que provavelmente vai dar em Davi, se regozijam.

* * *

Hoje eu estava dentro do 856-R, sentadinha no banco solitário, com destino ao trabalho, comendo um pastel de escarola, olhando para a biblioteca da Henrique Schaumann através da Praça John Graz, quando de repente pensei naquela pergunta sensacional que fizeram para a minha amiga Losso:
- Você é menino ou menina?

Já me perguntaram muita coisa, mas ninguém nunca me perguntou isso.

* * *

Pensando bem: você sai do trabalho, apanha o crachá dentro da bolsa, aproveita para pegar o bilhete único, deixa um em cada bolso, *não* passa o bilhete único na catraca da empresa, ganha a rua observando os degraus, olha para um lado para atravessar (a rua é mão única), olha para o outro por via das dúvidas (porque uma vez quase foi atropelada por um manobrista de ré), desenrola o fio do fone de ouvido enquanto separa um cigarro, calcula o trabalho que vai dar o jantar, lista mentalmente o que precisa comprar no mercado antes de ir para casa, lembra que uma das três linhas possíveis para o caminho de volta está descartada (porque você tem que passar no mercado), encontra uma posição boa no ponto de ônibus (porque está fumando e não quer incomodar a geral), *não* passa o crachá na catraca do ônibus, decora o número de itens para comprar no mercado como forma de *não* se esquecer o que tem que comprar, muda de música enquanto manda um SMS, lembra daquela vez em que recebeu um SMS de um completo desconhecido que te chamava de 'Raposinha', fica tensa porque talvez tenha mandado o SMS para a pessoa errada, checa a caixa de saída do celular, desce no ponto do mercado, *não* pisa nas manchas deixadas pelos cachorros, acerta a força do passo porque a calçada é irregular, se sente culpada porque nunca deixou um cobertor um prato de sopa ou cinquenta centavos para os mendigos, se vê refletida na câmera de segurança do mercado e apanha a cestinha. E a noite nem começou.

Aí neguinho tem um derrame - ou menos: recebe qualquer outro tipo de sinal levemente irregular do cérebro (tipo "putz, esqueci a palavra!") - e acha que a cabeça não funciona mais.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Tudo sobre

É muito difícil eu querer saber tudo sobre um assunto.

Acho gente especializada um troço incrível. Tenho a maior admiração. Mas não consigo imaginar em torno de qual mesmo tema eu poderia gravitar pelo resto da minha vida. Pelo resto da minha vida, cara.

É como escolher uma comida só para almoçar, todos os dias, até a morte (a propósito, eu escolheria batata, porque dá para fazer de várias formas: assada, frita, purê etc).
Eu não sei se é falta de costume, falta de disciplina ou falta de saco - para falar a verdade, eu sequer sei qual a diferença entre costume, saco e disciplina.

Mas eu nunca consegui passar muito tempo debruçada sobre a mesma coisa.

Não que eu não saiba contemplar. Eu sei, e gosto. Sou um pouquinho ansiosa, sim, como todo mundo agora, mas estou longe do tipo que tem DDA.

Só acho chato passar uma vida falando e pensando sobre uma coisa só. Eu tenho um tempo para mastigar coisas, e pequenas obsessões de momento (das quais, quase invariavelmente, me envergonho depois), mas sempre chega a hora de dizer chega.

No entanto, se eu tivesse que escolher uma coisa sobre a qual se debruçar pelo resto da vida, e sobre a qual eu gostaria de saber tudo, e quando eu achasse que já sabia tudo sobre aquilo, ainda gostaria de descobrir mais um pouco, seria... a Capela Sistina.

Porque eu gosto demais daquele Deus que flutua em uma espécie de nave grená formada pelo próprio manto, para lá e para cá, mandando em tudo (inclusive no cara de bunda de fora, que eu não sei se é ele mesmo ou o quê):

E adoro a cobra gordinha (que é claramente uma mulher) e a cara blasé da Eva na cena em que ela e Adão caem em tentação:


E tenho um particular amor pela imagem de Jonas, o profeta, com um peixão atrás dele:

E não escapo de amar, sobretudo, aquela imagem manjada em que Michelângelo capta o momento da criação - e o momento da criação, para mim, é aquilo mesmo; as mãos que se estendem e não se tocam, o quase, o coro de violinos subindo em oitavas, prendo a respiração:


Mas nesta última visita me interessei sobremaneira pelo afresco da parede do altar, o Giudizio Universale, com um Cristo Juiz decidido e bem alimentado.

Se recuperou bem da cruz, benzadeus

Depois de um longo inverno

(Ou ainda no meio dele)

As cidades têm uns sons que, quando a gente mora, deixa de perceber.

Eu tenho que me concentrar um pouco para ouvir o som de São Paulo (a não ser o caminhão do lixo ou o gerador do prédio ao lado quando acaba a energia, porque eles soam em uma frequência que funciona, para mim, como aqueles apitos de irritar cachorros).

Mas quando você passa um tempo em outra cidade, escuta tudo de novo.

Em Roma, as ambulâncias soam o tempo todo. E soam diferente das daqui. (As ambulâncias que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá). Aquilo me deixava em estado de atenção quase constante, porque a gente nem percebe, mas sobe os ombros quando ouve uma sirene.

Minha mãe e eu, que viajamos juntas, ficamos tentando entender qual era a das ambulâncias romanas. Vai ver o trânsito é tão disgramento - e, acredite-me, ele é - que os motoristas de ambulância ligam a sirene quando entram no veículo, de manhã, e só desligam à noite. Ou vai ver acontecem muitos acidentes, enfartos e corações partidos em Roma, então se precisa muito da ambulância e é sempre uma emergência.

Depois percebemos que estávamos hospedadas perto de um hospital.